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'Gestão educacional não é para amador, tem brigas para comprar'

Ex-secretária de Educação do Rio vai falar em 6 de agosto no Congresso da Jeduca sobre o poder efetivo dos gestores no Brasil para adotar políticas que cheguem ao chão da escola

11/06/2018
Sergio Pompeu

 

Qual é o poder efetivo de um gestor no sistema educacional brasileiro, a capacidade de adotar políticas que sejam incorporadas de fato ao cotidiano das escolas? E, do ponto de vista de quem passou por essa experiência, quais são os desafios dos governantes que serão eleitos este ano?

 

Este é o tema de uma das mesas do primeiro dia do Congresso da Jeduca, em 6 de agosto, no Colégio Rio Branco, em São Paulo. O diálogo vai reunir o ex-ministro da Educação Renato Janine e a ex-secretária de Educação do Rio, Cláudia Costin.

 

Na entrevista abaixo, Cláudia fala dos aprendizados que teve na sua gestão, como o processo que a levou a praticamente acabar com a progressão continuada na rede. Para ela, o maior desafio a ser enfrentado pelos gestores da educação do País – em um momento de limitação de recursos – está relacionado ao professor.  “Existe um desafio em educação que a gente não tem como desenroscar sem aumentar gasto, que é a atratividade da carreira”, disse Cláudia, que atualmente dirige o Ceipe (Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais) da FGV (Fundação Getúlio Vargas) no Rio.

 

Como é ser gestor de educação no Brasil? Dá para mudar alguma coisa de fato?

 

É muito desafiador. Mas dá para fazer muito mais do que as pessoas imaginam olhando de fora – do que as pessoas sérias imaginam, porque tem gente que acha que está tudo paralisado. Dá para fazer alguma coisa, mas você tem que ter um sentido de sequenciamento na ação, ou seja, precisa ter uma visão muito clara do seu desafio e saber que, em uma gestão, você não consegue fazer tudo. Por outro lado, você não pode ter uma paralisia pela percepção do tamanho do desafio. Isso é muito comum. Como em educação a melhor abordagem é sistêmica –  aliás, em qualquer política pública –, você tem que olhar para currículo, para a questão do magistério, para a avaliação, para a logística de entrega e a infraestrutura das escolas ao mesmo tempo. O segredo, para mim, é ter uma teoria da mudança clara, ou seja, como é que você vai operar a transformação, tanto no sentido técnico quanto político do termo. E ter um sequenciamento das ações claro.

 

Como você vê os desafios da próxima gestão no nível federal? A Lei do Teto dos Gastos vai reduzir os recursos para educação em um momento de políticas ambiciosas?

 

Eu fui contra a Lei do Teto, porque acho que, se você diz que educação é prioridade, tem que dar prioridade em todos os sentidos, inclusive orçamentária. Há muito que é possível fazer para melhorar a qualidade do gasto, inclusive em educação. Mas existe um desafio em educação que a gente não tem como desenroscar sem aumentar gasto, que é a atratividade da carreira. Os salários têm que melhorar. Os professores de fundamental 1 são contratados para 22 horas e meia, os do fundamental 2, para 16 horas de aula. Isso é precarização da educação. Porque esse professor vai ter que, necessariamente, dar aula em três lugares diferentes. Então, se você colocar esse mesmo professor em 40 horas, adaptando o salário que ele tem hoje à carga horária nova, você melhora as condições de trabalho desse profissional. Você profissionaliza o professor.  É preciso também mudar a formação que o professor recebe na universidade e garantir que o professor tenha o 1/3 do seu tempo, que a lei estabelece, para trabalho colaborativo, observação de sala de aula uns dos outros, como fazem os bons sistemas educacionais. E garantir a formação continuada em serviço, que em muitas redes não existe. Chama-se de formação continuada em serviço oferecer mestrado e doutorado para o professor, porque é isso que vai aumentar o salário e na verdade o impacto sobre a aprendizagem do aluno é muito pequeno.

 

Qual o papel das avaliações educacionais nesse contexto?

 

É um desafio fazer com que as avaliações educacionais gerem dados para o chão da sala de aula, ou seja, que você use as informações sobre a aprendizagem do aluno na prática docente. O Brasil teve um avanço muito importante em indicadores educacionais e em avaliação educacional, mas ainda não conseguiu traduzir esses dados, de Prova Brasil, Ideb, para a prática docente. Um terceiro desafio do Brasil é ter infraestrutura escolar adequada. O Brasil é a 8ª economia do mundo em PIB e tem que ter escolas de 8ª economia do mundo. A gente avançou nisso, mas alguns estados e municípios ainda estão muito atrás. Vejo alguns esforços estaduais. Só para citar um que ninguém lembra, tem o caso do Maranhão, com a Escola Digna, em que eles estão acabando com as escolas de taipa e construindo escolas de verdade. Esse processo tem que acontecer pelo país afora. Ter infraestrutura escolar adequada também significa permitir que a tecnologia da informação entre na escola. Às vezes as pessoas chegam com um discurso simplificador, dizendo: "Ah, estão falando de computador na escola, mas as crianças não são nem alfabetizadas." A gente tem que fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Porque, quando você olha para informações sobre o futuro do trabalho, de que tantos postos de trabalho vão ser extintos por causa da inteligência artificial, isso está caminhando muito rápido. E se a gente pensar de uma forma “etapista” demais, vai ter uma escola do século 19 em 2022. E tem ainda um desafio que é importante no tempo, que é o desafio da Base Nacional Comum Curricular da educação infantil e do ensino fundamental. Ela vai ter de ser traduzida em currículos nos estados e municípios, gerar materiais curriculares para apoiar a prática dos professores e será preciso formar o professor para o uso desse currículo e desses materiais. Essa tarefa vai pegar a gestão dos novos governadores e, mais para a frente, dos novos prefeitos. Eu acredito em currículo porque eu acho que currículo é a base para a equidade. O que vi no Rio foi a lógica de uma escola para pobre e outra para rico. Temos que construir uma escola para todos, então, que os direitos de aprendizagem sejam iguais para todos.

 

Como você lidou com essa questão no Rio?

 

Quando desenhei meu plano inicial [Cláudia assumiu a secretaria em janeiro de 2009], analisei os resultados da Prova Brasil para ver onde estavam os desempenhos mais fracos, como estava a questão de fluxo e aprendizagem. Vimos algo previsível, mas foi importante ter clareza: que nas escolas em áreas conflagradas, a aprendizagem era muito mais baixa do que em escolas de bairros de classe média. A defasagem idade-série era de cerca de 22% no 6º ano. O que mostrava que a política de progressão continuada fazia com que as crianças que não eram alfabetizadas ficassem represadas no 6º ano. Começamos o ano letivo de 2009 aplicando uma prova para detectar se havia analfabetos funcionais. Deu 13% de analfabetos funcionais do 4º ao 6º ano. É muita coisa, mais de 28 mil estudantes. Então, o que estava acontecendo na prática, e isso deve ser um retrato de outras redes também: quando se implantou a progressão continuada, isso fazia sentido, para evitar a taxa de repetência tão alta que nós temos no Brasil; só que a ideia foi decodificada de maneira errada, pelos professores, pela rede. A ideia passou a ser: "Já que eles são pobres, vulneráveis, vamos passando para a frente." Começamos a pensar em como desconstruir essa visão equivocada da progressão continuada.

 

Diversos analistas consideram a cultura da repetência um drama no Brasil. Você deve ter recebido críticas por acabar com a progressão continuada.

 

A questão é que na campanha os dois candidatos que passaram para o segundo turno defendiam a mesma tese, de que precisava acabar com a progressão continuada. Então eu entrei com isso já posto na mesa. Eu era a favor da progressão continuada antes de entrar lá. Depois negociei para que a gente não permitisse repetência nos três primeiros anos, nos anos de alfabetização. Então só passamos a reprovar a partir do 4º ano. Houve, sim, muitas críticas e desafios. E aí fica uma reflexão minha: a de que não deveria ser gestor quem não está pronto para, de forma respeitosa, comprar as brigas necessárias. Gestão educacional não é para amador, não é para quem quer ter vida simples. Porque brigas importantes têm que ser compradas.

 

Qual briga é importante comprar atualmente?

 

Um exemplo: a universidade hoje no Brasil tem uma abordagem que enfatiza demais os pilares da educação em relação à prática profissional. Quando você compara com Engenharia e Medicina, que preparam para uma profissão, a Pedagogia e as licenciaturas não fazem isso, elas colocam ênfase exagerada em Filosofia da Educação, Sociologia da Educação. Enfatizam a teoria em detrimento da prática profissional. Enquanto nos países europeus o futuro professor desde o começo do curso pisa no chão da escola, no Brasil é possível um professor só fazer um estágio de seis meses na secretaria escolar. Na USP, a melhor universidade brasileira, você pode fazer três anos de Matemática e depois um ano ou só seis meses de História da Educação, Filosofia e Sociologia da Educação em turmas que têm futuros professores de Educação Física, Matemática, História, Letras, tudo misturado. E você não aprende a didática específica da sua disciplina, não vai para a escola.

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